quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Um desejo de que ficasse...

      Você entende muitas coisas na vida. Aceita, mesmo que descontente. Desiste depois de muito tentar. Você se adequa, se aperfeiçoa,  rebola e tenta dar um jeito. Faz o que der pra que nada fique muito dolorido.  Você faz qualquer negócio pra que essa nossa vida seja o mais confortável possível.
       Mas tem coisa que dói. Não adianta o tanto que você queira se esconder, seja na lágrima contida, seja na frieza profissional, seja atrás de textos acadêmicos. Tem coisa que destrói, tem momento que não volta, tem pedaço que não reconstrói, tem história que não se esquece, tem intensidade na vida.

      Crianças são seres lindos, sorriso dos anjos, encanto das estrelas, cheirinho de lua, cor de algodão-doce. Crianças trazem consigo a lenha da vida e nos empurram pra ela com sorriso no rosto. Crianças são motivos de agradecermos, todos os dias, às boas coisas, ao bom mundo, às maravilhas que Deus nos faz e dá. Não é a toa que nosso Mestre disse que delas eram o reino dos céus, pois delas advém os bons sentimentos, os mais puros que só encontraremos, em sua totalidade, por lá. Crianças não condizem com dor. Crianças não merecem sofrer. Elas são frágeis e vêm ao mundo pra colorir com canções. 
      Qualquer um há de concordar que o câncer jamais devia passar perto delas. Ser criança é fôlego de vida -e dos mais verdadeiros- nada devia tentar obstruir isso, nada devia interromper essa força, nada deveria ousar ofuscar essa luz toda. Porque elas são sensíveis a tudo que as rodeia e as coisas não são sutis à elas, é uma luta desleal, é uma dor injusta. É revoltante.
      E então você as conhece, passa a conviver com elas que, apesar de um pouco comprometidas por essa deslealdade da doença, não deixam de ser criança e trazer consigo todas as suas bem-feitorias. E, você se comove (não num sentido triste) ao ver a potência de vida acima de qualquer diagnóstico médico. Você reconhece o peito aberto e o sorriso sincero, você identifica boas gargalhadas da alegria, você se diverte com as boas histórias e a inocência de um ser humano incrível. Você, nitidamente, percebe amor a vida e fé no futuro, sem olhar pra todos os utensílios que os amarra às camas e aos quartos brancos e linguajares específicos. Você vê toda a esfera que elas trazem consigo acima de tudo isso. Você acaba por esquecer todo o resto do mundo que fica fora daquele hospital. Você deixa seu coração a cada encontro, você ama mais a cada tarde juntos, você é mais grato a vida a cada olhar que brilha. Ah, você admira esse sentimento que sequer tem palavra pra se comparar, a isso tudo que elas possuem no coração delas e trazem a nós, que aceitamos encontrá-las e nos dispomos em brincar. Brincar é a linguagem que elas traduzem o que sentem e como sentem esse mundão todo que não é compatível com essa pureza toda.
    E, por aceitar entrar nesse campo minado, nessa luta desigual, nesse cabo de guerra, você a abraça e tenta lutar ao lado dela, por ela. Você se mexe com todas as suas forças pra que nada as afete, pra que a dor não as tome, pra que elas não se comprometam. E, ainda sim, você se vê fraco e não consegue quase nada. Você se vê impotente a esse monstro que é o câncer. E, apesar de valer a pena cada segundo de cada dia em todos esses meses e sentir que ambos cresceram e se embelezaram nos momentos que passaram juntos, você se revolta com a perda.
    E dói,  dói porque você não a verá mais. Dói a dor de ter perdido. Dói de saber que uma vida linda passou tão rápido e não pode trazer ainda mais brilho pra esse mundo tão meio tom. E nenhuma lágrima conseguirá compreender a magnitude da falta que ele vai nos fazer. Nada vai se comparar com cada sentimento que ele nos induziu e cada pequeno detalhe que nos fez seres humanos melhores. Ficamos aqui, com a certeza que o céu ta mais completo e que um bom anjo ta sorrindo pra nós. Vou sentir sua falta, garoto! Você é um astro! Eu amo você! 


“Eu olhava esse menino, com um prazer de companhia, como nunca por ninguém eu não tinha sentido. Achava que ele era muito diferente, gostei daquelas finas feições, a voz mesma, muito leve, muito aprazível. Porque ele falava sem mudança, nem intenção, sem sobêjo de esforço, fazia de conversar uma conversinha adulta e antiga. Fui recebendo em mim um desejo que ele não fosse mais embora, mas ficasse, sobre as horas...” (Guimarães Rosa)

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