terça-feira, 3 de julho de 2012

Epitáfio

        Olá minha cara,

        Você provavelmente deve estar com aquela sua cara de surpresa (os olhos arregalados como de quando te beijei pela primeira vez, e com o sorriso contido de quando te roubei outro beijo assim que sua mãe virou as costas pra buscar mais sobremesa). A cara de surpresa ainda imprime seu rosto desde quando leu meu nome no remetente. Insano, ainda acredito que seu coração disparou e, como quem está para atravessar a rua, você olhou pra ambos os lados antes de se agachar para apanhar a carta debaixo da porta, e então se levantou com as mãos nas costas e suspirou bem baixinho, como uma velha. Sem paciência, como sempre foi, não esperou pela privacidade e começou a ler a carta aí mesmo, atrás do sofá amarelo. Agora, um pouco mais calma depois dessa minha repentina fraqueza ao falar-te, terminará de ler em seu quarto, sentada sobre a cama, com os pés descalços e uma música qualquer tocando no computador. E então você sorri sem timidez já que ninguém te olha. Ah, sinto falta de seus olhos e o perfume que enfeita seu cheiro.
       Enjoada de todos os meus enfeites ao te escrever, quer logo saber o motivo de tal desatino meu. Mas antes de tudo isso, até que eu encontre um verdadeiro motivo para essa minha ousadia, esse meu ímpeto em querer transmitir o recado desse pobre músculo propulsor de sangue que teima em dar voltas em torno de si mesmo a fim de querer tirar todo esse meu amor tonteando-o em infinitas voltas, eu gostaria de dizer que ainda te amo, assim como te amei há alguns mil anos atrás. Te amo por você não ser quem eu amo, e sequer cumprir nenhum quesito dessa minha estúpida lista de qualidades do amor pra sempre. Te amo porque me sinto mais perto da lua quando, chutando lata, volto pra casa sozinho depois de conversas inúteis. Te amo porque é em você que eu busco algo pra pensar quando meus neurônios falham. Te amo porque desconheço-me brutalmente quando me aproximo de você.
        Como me é de costume, você já espera o "mas" ou qualquer outra palavra que venha a advertir toda essa confissão patética embriagada de desrazão. E por esperá-la já que lhe é tão comum, estou certo que, aqui neste ponto da carta, você já não levará em conta o que te pedirei. "Afaste-se", "Me esqueça" e suas companhias nunca foram levadas a sério, tampouco isso será diferente hoje. Mas como conheço todas essas minhas tentativas falhas e vãs, hoje proponho algo que, indubitavelmente, funcionará: peço que morra. Sim, vá dessa pra uma melhor, se livre desse mundo. Pau. Pedra. Fim do caminho.
        Eu sei que você pode não estar acreditando no que lê, e provavelmente, me julga com palavriados terríveis, devido a esse meu ápice de egoísmo, em sua mente- o maior mistério conhecido por mim até hoje. Mas entenda-me, só assim conseguirei livrar-me desse amor que entrelaça-me dos cabelos a mais profunda víscera e amarra-me a ti, perpetuamente. Vá! me deixe viúvo desse quase amor, impossibilite-me de toda e qualquer possibilidade imbecil que eu possa elaborar antes de dormir. Tire a chance de alimentar a energia propiciadora da funcionalidade dos fios neurais que encapam meu coração e o deixam pronto pra que eu o dê de presente, de bandeja dentro de uma caixa colorida. Morra, e me espere do outro lado da vida pra que eu possa viver essa minha vida, de verdade, e depois vivamos a nossa, em outra encarnação. Morra, dê um jeito, eu te peço, imploro. Me deixe sem luz no fim do túnel. Me deixa.



                                                                         De seu amor, com o amor de sempre.












Ps: caso não queira, não tenha coragem, não encontre ninguém para fazer isso ou até tente e não consiga, então desista e não o faça. Volte. E me beije lentamente com todo o amor que você ainda guarda por mim  nesse seu coração disforme, e então me dê a sua mão quente, e fique ali comigo vendo o sol beijar o mar por um fim de tarde. O endereço está no verso da carta, embaixo do nome do remetente.

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