Enquanto voltava pra casa, lembrei de ir ao mercado: precisava de nova escova de dente. Esses mercados grandes tem a habilidade de nos entreter com seus biscoitos recheados e chicletes de efeitos interessantes. Fazem-nos atestar nossa vontade inescrupulosa de não crescer mais. E, de repente, sou o único cara barbado no meio das crianças no corredor de porcarias. Eu preciso de mais foco ao ir ao supermercado, logo pensei. Escova de dentes, claro!
Se você parar pra pensar, a variedade de escovas de dentes que existem faz com que fiquemos um pouco perdidos no setor de cosméticos. Esses empresários precisam pensar que nós já temos escolhas difíceis o suficiente e precisam parar de criar essas novas tecnologias. Perder-se escolhendo uma escova faz com que nos sintamos idiotas depois de longos quinze minutos no vai e vem das prateleiras.
Já desistente, decidi que compraria igual à antiga: sempre bom voltar pro confortável quando a gente se esbarra demais nos riscos das novidades. Pelo menos nessa quarta-feira. Acredite que achar o clássico é ainda mais difícil, mas acabei encontrando. A reservei com os olhos e me dei mais uma chance de escolher uma nova.
Acontece que essa chance quem deu foi a menina que virou a esquina da minha indecisão e procurava por uma nova escova de dentes também. De fato, seus dentes à mostra no sorriso tímido de quem cumprimenta um desconhecido atestaram que eles eram muito bem cuidados. Uma boca magra, mas desenhada pelos céus. Levantei as sobrancelhas, e sorri um pouco exagerado. Me arrependi logo em seguida, mas já estava feito. Talvez eu tenha me apaixonado pela faixa de pernas amostra pela saia um pouco cima de joelhos que ela esculturava naquele corpo. Ou os próprios joelhos, eu tenho essa estranha queda por joelhos.
Ela passeou com a cara de que sabia o que queria. Passei a ver os fios dentais enquanto dava um pouco de prazer para esse dia um tanto quanto cinza. As flores tímidas na sua blusa faziam primavera no meu dia chato de verão seco. Minha vontade era pegá-la no colo pra que ela não tivesse que erguer os pés para ver as escovas que se escondem lá em cima. Contive-me na paisagem de quanto sua saia levemente se erguia e me coloria.
Dedicada como eu, pensei que logo me julgaria pelo tempo que me prezava à sessão de cosméticos. Então tratei de me despedir do passeio e fui buscar a escova reservada com o olhar. Fui tomando o rumo do caixa quando ela me chamou, pediu que eu alcançasse a escova pra ela, ela procurava por aquele mesmo modelo mas não conseguia pegar no fundo da prateleira."Ser baixinha faz a gente sofrer um pouco" ela disse com o sorriso torto e os olhos olhando pro alto, na diagonal. Acontece que não tinha mais como a minha, eu angariava a última e ela ensaiou desenhar sua boca num desapontamento.
_"Tome, fique com a minha", ia escovar os dentes pra me dar um motivo pra sorrir frente ao espelho. Acho que já encontrei o motivo, e posso escovar com a velha.
Já disse da habilidade desses grandes supermercados? Ah...
Gostei.
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